sexta-feira, 27 de março de 2015

Um Grito de Amor no Centro do Mundo — Lágrimas, lágrimas e mais lágrimas

Quem me conhece sabe que eu detesto drama; seja na vida real ou na ficção. Enquanto as pessoas normais choram em filmes sobre cachorros que morrem ou garotas com câncer, eu costumo passar reto por esse tipo de obra. E foi por isso que ter gostado de Um Grito de Amor no Centro do Mundo me deixou tão profundamente emocionada surpresa. Quebrou todos os meus paradigmas com elementos novos, simples, mas profundos, e me fez chorar e soluçar como uma garotinha.



Publicado no Brasil em 2001 pela editora Alfaguara, Um Grito de Amor do Centro do Mundo (do original 世界の中心で、愛をさけぶ "Sekai no Chuushin de, Ai wo Sakebu" e também conhecido por "Socrates In Love") é o primeiro romance de Kyoichi Katayama e foi traduzido no Brasil por Lica Hashimoto. Ele carrega a essência do drama, do romantismo exagerado, expresso na obra principalmente através das memórias do protagonista sobre a amada.

Sakurato "Saku" Matsumoto é ainda um garoto quando conhece Aki Hirose na escola em que estudam. Ela é bela, inteligente e popular, e logo se tornam amigos inseparáveis. Conforme Sakurato amadurece, ele começa a ver em Aki mais do que apenas uma amiga e se vê tragado por um sentimento puro e juvenil. Ele descobre que a jovem sofre de Leucemia, mas, em pouco tempo, sua relação se transforma numa paixão arrebatadora. Os adolescentes trocam juras de amor; declaram seus sentimentos e prometem nunca mais se separar. O destino, porém, ainda tinha muitos planos reservados para eles...

E é ele quem narra a história. Logo nas primeiras linhas ele nos mostra que o livro vai girar em torno da vida de Aki e de como discorreram seus dias após a morte dela. Em certas passagens, a narrativa pode importunar um pouco quem lê devido aos longos discursos de Sakurato em relação ao seu próprio sofrimento, mas o autor conseguiu balancear perfeitamente esses momentos nos apresentando, em paralelo, um passado alegre e vivaz, narrado com bastante fluidez. O texto se divide entre o presente e as memórias do protagonista o tempo todo. A sexualidade no livro é retratada de forma muito peculiar (fator que faz com que a obra se encaixe no gênero Pure Love) e é apenas uma curiosidade adolescente que serve para acentuar a ideia de pureza que a relação de Aki e Sakurato tem desde o início do livro.

No momento em que Aki adoece e precisa ficar no hospital em observação, perdendo uma viagem escolar para a Austrália na qual queria muito ter ido, é que o livro dá uma reviravolta e começa a entrar em seu arco principal. Parecia apenas uma gripe, mas logo a descoberta da Leucemia vem à tona e causa um impacto irremediável na vida das pessoas que cercam a garota. A partir desse ponto, Sakurato vive um profundo drama que converge para os futuros sentimentos de mágoa e tristeza que ele passa a nutrir no presente. A morte de Aki o afeta profundamente. É aí que entra a figura do avô dele. Apesar de tecnicamente aparecer no início do livro, a sua principal participação foi justamente depois da morte de Aki em que age como a voz da sabedoria e proporciona à Saku momentos de reflexão e a possibilidade de enxergar aquela situação por outro ângulo. Apesar de ser um livro essencialmente dramático, a narrativa não chega a realmente doer; as emoções expressas na história, por mais dolorosas que sejam, são tão naturais que parecem pertencer exatamente aos cenários nos quais ocorrem.

É possível observar também que há vários fatores que caracterizam a obra como parte da cultura japonesa, tais como citações de rituais xintoístas, práticas de artes marciais japonesas e um detalhe muito importante: a maneira como Aki escreve o próprio nome. Existindo mais de um alfabeto de símbolos no Japão, o kanji para Aki é 亜紀, mas Sakurato pensava se tratar de 秋, já que os dois tem a mesma pronuncia. A diferença é que o segundo vem da palavra "Outono" e por isso ele achava engraçado Aki ter nascido no inverno (ele chega até a brincar que ela deveria chamar-se Fuyumi ou Fuyuko).

A premissa da história é bem clichê—uma garota com câncer, um rapaz apaixonado e um destino trágico. Foi eu que eu pensei quando bati o olho no livro. Relutei em dar uma chance. A originalidade, a pureza, os singelos momentos de reflexão, a profundidade presente numa relação entre pessoas tão jovens, tudo isso me cativou. E tornaram a obra uma das melhores que eu já li.

"Por mais que as pessoas digam coisas bonitas da boca pra fora, a maioria só vive pensando em si mesma, não é? – continuei a argumentar. – Para elas, o que importa é poderem comer coisas gostosas; poderem comprar o que quiserem; mas, quando uma pessoa passa a gostar de outra, essa outra se torna mais importante do que ela. Se tivéssemos pouca comida, eu daria a minha parte para você, Aki. Se tivéssemos pouco dinheiro, eu deixaria de comprar o que queria para poder comprar o que você queria. Se você dissesse que a comida estava gostosa, eu me sentiria igualmente satisfeito e, se você fosse feliz, eu também seria igualmente feliz. Isso é gostar de alguém. Você acha que existe alguma coisa mais importante do que isso? Eu acho que não. Uma pessoa que descobriu a capacidade de gostar de alguém com certeza descobriu algo muito mais importante do que as descobertas premiadas com o Nobel."
Sakurato "Saku" Matsumoto

É uma leitura que eu recomendo, mas não esqueçam do lencinho para secar as lágrimas. :P

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